Alice Bucknell - The Martian Word for World is Mother
Uma bienal é como um livro em que, através de capítulos, tentamos dar voz a narrativas e visões, formas de ‘ser’ e ‘ver’ no mundo com as coisas sencientes.
E quando dizemos “coisas”, estamos incluindo uma ontologia digital da vida (Rafael Capurro) em interseção ou sobreposição à ontologia humana de ‘estar no mundo’. Onde formas, processos e modos de existir convivem quase que onipresentemente com o que entendemos por ‘sencientes’, numa aproximação além de biorgânica e biotecnológica. Um olhar mais holístico que considera as terceiras partes como algoritmos, computação inteligente, formas digitais de ‘vida’ muito presentes em nosso cotidiano.
Se tratamos das “Linguagens Híbridas” na primeira edição em 2018 como a impossível separação entre arte, ciência e tecnologia produtoras de ferramentas capazes de produzir novas realidades e novas experiências de vida, em CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA buscamos compreender, pensar e propor as formas de COEXISTÊNCIA refletidas no cotidiano, trazendo a reflexão como elemento conciliador aos avanços do biopoder.
Como coexistir, ’viver, ‘ser’ na dimensão de um mundo biotecnológico e pós-digital?
Como coexistir, ’viver, ‘ser’ em um mundo que se expande e retrai ao mesmo tempo suas formas e condições sobre os diversos modos de vida?
Como coexistir, ’viver, ‘ser’ em um mundo que opõe amor e ódio, riqueza e pobreza, ancestralidade e futurismo, extremismos e centrismos?
A Bienal de Arte Digital inicia a escrita de seu segundo capítulo nesta edição conjuntamente com mais de 70 artistas entre brasileiros e estrangeiros, múltiplos, diversos, mostrando que a própria arte resiste, vive e coexiste, reunindo um número expressivo de linguagens, expressões e modos de ‘ser’ com a arte em um mundo complexo.
O desafio posto desde a última edição foi conduzir, diante de tanta técnica e certezas científicas, o que seria possível ‘pensar’, e como poderíamos construir com diferentes ‘riquezas’ do conhecimento e dos diferentes tipos de tecnologias acumuladas por mais de 150 mil anos do que consideramos ‘história da humanidade’, as condições do nosso viver.
“(…) o ser humano vive, enquanto tal, na repetição e dá forma e conteúdo à própria vida através de um ritualismo mais ou menos consciente, feito de exercícios repetitivos.”
“(…) os seres humanos sensíveis ao seu apelo deveriam começar a trabalhar sobre si mesmos. Viver é preparar-se, transformar-se, aceder ao estatuto do sábio, responder à tensão vertical que impõe modificar a própria existência” (Peter Sloterdijk).
“(…)somos feitos de carbono, e o corpo não tem nada sagrado e sua pureza foi violada desde a queda de Adão. O ser humano, por outro lado, é um ser plástico, capaz de ser modulado e moldado, com potenciais e limitações variadas, sendo a maior delas a mortalidade; nunca limitações que são constantemente estendidas e empurradas, inclusive por atividade técnica”. (Ivan Domingues)
Tanto Sloterdijk quanto Domingues relatam filosofias sobre a técnica na vida, ora convergentes, ora divergentes. É sobre essa dualidade que a Bienal de Arte Digital procura, no papel da filosofia, uma centralidade para a reflexão a partir do desgaste e da incapacidade momentânea de outros campos em avançar em algumas temáticas, comprovadamente evidentes pela janela que o mundo nos deixa observar na atualidade.
A Bienal continua a produzir perguntas. Sua narrativa é singular e também coletiva mediante diálogos possíveis entre obras e artistas que convivem e coexistem, juntos ou separados, nessa trajetória expográfica entre lugares fisicamente existentes e multiversos virtualmente coexistentes. Iniciamos com futuros possíveis a partir da memória, fundamental para não incorrermos em erros cometidos no passado recente, e caminhamos revisitando passados tão insistentes que se apresentam como um constante presente muitas vezes perturbador, que nos coloca sob a inércia. Deixamos ao público as escolhas sobre o que fazer nesse presente, por meio de uma ‘imagem’ realista da nossa existência no hoje.
Existir, coexistir. Condições de existência.
Tadeus Mucelli
A biennial is like a book in which, through chapters, we try to give voice to narratives and visions, ways of ‘being’ and ‘seeing’ in the world with sentient things.
And when we say ‘things’, we are including a digital ontology of life (Rafael Capurro) in intersection or overlapping with the human ontology of ‘being in the world’. Where forms, processes and ways of existing coexist almost omnipresently with what we understand as ‘sentient’, in an approach beyond biorganic and biotechnological. A more holistic look that considers third parties as algorithms, intelligent computing, digital forms of ‘life’ very present in our daily lives.
If we dealt with “Hybrid Languages” in the first edition in 2018 as the impossible separation between art, science and technology producers of tools capable of producing new realities and new experiences of life, in CONDITIONS OF EXISTENCE we seek to understand, think and propose the forms of COEXISTENCE reflected in the everyday life, bringing reflection as a conciliating element to the advances of biopower.
How to coexist, ‘live, ‘be’ in the dimension of a biotechnological and post-digital world?
How to coexist, ‘live, ‘be’ in a world that simultaneously expands and retracts its forms and conditions on the various ways of life?
How to coexist, ‘live, ‘be’ in a world that opposes love and hate, wealth and poverty, ancestry and futurism, extremism and centrism?
The Biennial of Digital Art begins writing its second chapter in this edition along with more than 70 artists from Brazil and abroad, multiple, diverse, showing that art itself resists, lives, and coexists, bringing together an expressive number of languages, expressions, and ways of ‘being’ with art in a complex world.
The challenge set since the last edition was to conduct, in the face of so much technique and scientific certainty, what would be possible to ‘think’, and how could we build, with different ‘amounts’ of knowledge and different types of technologies accumulated over more than 150 thousand years of what we consider ‘human history’, the conditions for our living.
“(…) the human being lives, as such, in repetition and gives form and content to his own life through a more or less conscious ritualism, made up of repetitive exercises.”
“(…) human beings sensitive to its appeal should begin to work on themselves. To live is to prepare oneself, to transform oneself, to accede to the status of the wise, to respond to the vertical tension that requires one to modify one’s own existence” (Peter Sloterdijk).
“(…)we are made of carbon, and the body has nothing sacred and its purity has been violated since the fall of Adam. The human being, on the other hand, is a plastic being, capable of being modulated and molded, with varied potentials and limitations, the greatest of which is mortality; never limitations that are constantly extended and pushed, including by technical activity.” (Ivan Domingues).
Both Sloterdijk and Domingues report philosophies about technique in life, sometimes convergent, sometimes divergent. It is on this duality that the Digital Art Biennial seeks, in the role of philosophy, a centrality for reflection from the wearing out and momentary inability of other fields to advance in some themes, proven evident by the window that the world lets us observe today.
The Biennial continues to produce questions. Its narrative is singular and also collective through possible dialogues between works and artists that live and coexist, together or apart, in this expographic trajectory between physically existing places and virtually coexisting multiverses. We start with possible futures based on memory, which is fundamental for us not to incur in mistakes committed in the recent past, and we walk revisiting such insistent pasts that present themselves as a constant present, often disturbing, that puts us under inertia. We leave to the audience the choices about what to do in this present, through a realistic ‘image’ of our existence today.
Existing, coexisting. Conditions of existence.
Tadeus Mucelli